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28 de outubro de 2009

HANNAH ARENDT CRISE NA EDUCAÇÃO



Teses que defendo, confrontando-as com as perspectivas filosóficas de Hannah Arendt e de Theodor W. Adorno. A tese fundamental limita-se a constatar que a educação em Portugal e no Ocidente está em crise profunda e essa crise começa gradualmente a instalar-se após o 25 de Abril de 1974, devido à implementação de políticas erradas da educação. O resultado é visível: a escolas portuguesas são cloacas comportamentais. Aquilo que a educação devia ter evitado instalou-se nas escolas: a barbárie.
Adorno definiu a barbárie como «algo muito simples»: apesar de viverem na civilização que atingiu «o mais elevado nível de desenvolvimento tecnológico, as pessoas encontram-se atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação à sua própria civilização, e não apenas por não terem na sua esmagadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, em terminologia culta, um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda a civilização venha a explodir, aliás uma tendência imanente que a caracteriza». Diante desta catástrofe civilizacional iminente, a tarefa mais urgente da educação é «desbarbarizar» a escola e reorientar todos os outros objectivos educacionais em função desta tarefa. A filosofia da educação de Adorno gira, portanto, em torno da «educação após Auschwitz», visando um projecto educativo contra o regresso da barbárie. E eis que regressámos efectivamente à barbárie.
Hannah Arendt desenvolveu a noção de crise (periódica) da educação em função da experiência educativa americana, vendo nela um sinal da crise mais geral do desaparecimento do senso comum: o fracasso e a renúncia do juízo humano. Esta crise deve-se fundamentalmente ao impulso irracional «para igualar ou apagar tanto quanto possível as diferenças entre jovens e velhos, entre dotados e pouco dotados, entre crianças e adultos, e, particularmente, entre alunos e professores». Este nivelamento por baixo consumou-se «à custa da autoridade do mestre ou às expensas daquele que é mais dotado entre estudantes». As políticas e as reformas da educação facilitaram este colapso da educação. Hannah Arendt destaca «três pressupostos básicos»:
1. O Mundo Autónomo das Crianças. O primeiro pressuposto é «o de que existe um mundo autónomo da criança e uma sociedade autónoma formada entre crianças, e que se deve, na medida do possível, permitir que elas governem. Os adultos estão aí apenas para auxiliar esse governo».
Ora, este pressuposto emancipa a criança da autoridade dos adultos e, na escola, mina a autoridade dos professores, ao mesmo tempo que não a liberta da «tirania da maioria», a autoridade do grupo etário de que faz parte. Convém acrescentar que esta autonomia do mundo das crianças é fortemente reforçada e incentivada pelas modernas indústrias culturais juvenis que lucram com esta criação de um universo juvenil à custa da perda da autoridade dos adultos, sejam eles pais ou professores. A tirania do seu próprio grupo compar limita a capacidade de reacção das crianças, a qual «tende a ser ou o conformismo ou a delinquência juvenil, e frequentemente é uma mistura de ambos».
2. A Pedagogia e a Escola dos Professores. O segundo pressuposto básico está relacionado com o ensino: «Sob a influência da Psicologia moderna e dos princípios do Pragmatismo, a Pedagogia transformou-se numa ciência do ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente da matéria efectiva a ser ensinada». Segundo esta perspectiva, um professor é «um homem que pode simplesmente ensinar qualquer coisa; a sua formação é no ensino e não no domínio de qualquer assunto em particular».
Deste pressuposto resulta a grave negligência da «formação dos professores nas suas matérias». Como profissional do ensino, o professor já não precisa conhecer a sua matéria e, por isso, raramente encontra-se «um passo à frente da sua turma em matéria de conhecimento». Numa tal escola dos professores-funcionários do ensino, os estudantes são efectivamente abandonados aos seus próprios recursos, com a bênção das novas metodologias de ensino que dizem fomentar a investigação e o espírito crítico, e os próprios professores perdem a fonte mais legitima da autoridade do professor: «a pessoa que sabe mais e que pode fazer mais que (os alunos)». O pior é que a figura do «professor não-autoritário, que gostaria de se abster de todos os métodos de compulsão por ser capaz de confiar apenas na sua própria autoridade, não pode mais existir».
3. A Teoria Moderna da Aprendizagem. Este segundo pressuposto está intimamente ligado ao terceiro pressuposto básico sobre a aprendizagem. Este último pressuposto que encontrou expressão conceptual sistemática no Pragmatismo, é «o de que só é possível conhecer e compreender aquilo que nós próprios fizemos, e a sua aplicação à educação é tão primária quanto óbvia: consiste em substituir, na medida do possível, a aprendizagem pelo fazer. O motivo pelo qual não foi atribuída nenhuma importância ao domínio que tenha o professor da sua matéria foi o desejo de levá-lo ao exercício contínuo da actividade de aprendizagem, de tal modo que não transmitisse, como se dizia, "conhecimento petrificado", mas, ao invés disso, demonstrasse constantemente como o saber é produzido. A intenção consciente não era a de ensinar conhecimentos, mas sim inculcar uma habilidade, e o resultado foi uma espécie de transformação de instituições de ensino em instituições vocacionais que tiveram tanto êxito em ensinar a dirigir um automóvel ou a utilizar uma máquina de escrever (hoje o computador), ou, o que é mais importante para a "arte" de viver, como ter êxito com outras pessoas e ser popular, quanto foram incapazes de fazer com que a criança adquirisse os pré-requisitos normais de um currículo padrão».
O resultado é, como bem viu Hannah Arendt, a diluição da distinção entre brinquedo e trabalho, a favor do primeiro. Esta dupla-substituição da aprendizagem pelo fazer e do trabalho pelo brincar promove a infantilização: «Aquilo que, por excelência, deveria preparar a criança para o mundo dos adultos, o hábito gradualmente adquirido de trabalhar e de não brincar, é extinto em favor da autonomia do mundo da infância». Daqui resulta que, sob o pretexto de respeitar a independência da criança, esta é infantilizada até à vida adulta avançada e, portanto, «excluída do mundo dos adultos e mantida artificialmente no seu próprio mundo». A relação de ensino e de aprendizagem entre adultos e crianças é extinta, ao mesmo tempo que esta retenção da criança no seu próprio mundo oculta «o facto de que a criança é um ser humano em desenvolvimento, de que a infância é uma etapa temporária, uma preparação para a vida adulta».

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