O processo de alfabetização
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Ana Teberosky: ''Debater e opinar estimulam a leitura e a escrita''
Para a educadora argentina, nas sociedades em
ue se valoriza a
interação entre as pessoas e a cultura escrita,
o processo de alfabetização
é mais eficiente
Ana Teberosky é uma das
pesquisadoras mais respeitadas
quando o tema é alfabetização.
A Psicogênese da Língua Escrita,
studo desenvolvido por ela
e por Emilia Ferreiro no final dos
anos 1970, trouxe novos elementos para esclarecer
o processo vivido pelo aluno que está aprendendo
a ler e a escrever. A pesquisa tirou a alfabetização
do âmbito exclusivo da pedagogia e a
levou para a psicologia. "Mostramos que
a aquisição das habilidades de leitura e escrita
depende muito menos dos métodos utilizados do
que da relação que a criança tem desde pequena
com a cultura escrita", afirma. Para ela, os
recursos tecnológicos da informática estão
proporcionando novos aprendizados para
quem inicia a escolarização, mas as práticas
sociais, cada vez mais individualistas, não ajudam
a formar uma comunidade alfabetizadora.
Doutora em psicologia e docente do Departamento
de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade
de Barcelona, ela também atua no
Instituto Municipal de Educação dessa cidade,
esenvolvendo trabalhos em escolas públicas.
Em setembro, quando esteve no Brasil para participar
do Congresso Saber 2005, ela deu
seguinte entrevista à ESCOLA.
De quem é a culpa quando uma criança não é alfabetizada?
Ana Teberosky - A responsabilidade é de todo o sistema, não apenas do professor.
Quando a escola acredita que a alfabetização se dá em etapas e primeiro ensina
as letras e os sons e mais tarde induz à compreensão do texto, faz o processo errado.
e há separação entre ler e dar sentido, fica difícil depois para juntar os dois.
Como deve agir o professor especialista ao deparar com estudantes
e 5ª a 8ª série não alfabetizados?
Ana Teberosky - Todo educador precisa saber os motivos pelos
quais a alfabetização não ocorre.
Sou contra usar rótulos como alfabetizado e não-alfabetizado, leitor e não-leitor.
Quando se trata de conhecimento, não existe o "tudo ou nada". Uma criança que
tenha acabado as quatro primeiras séries, apesar de dominar os códigos da
língua, pode ter dificuldade em compreender um texto e não estar habituada a
estudar. Algumas apresentam resistência a tudo o
que se refere à escola por motivos vários.
Outras têm mesmo dificuldades e, por não saber superá-las
ou não contar com alguém
para ajudar, evitam contato com textos. Cada caso exige atenção
tratamento diferentes.
A atitude positiva do professor tem impacto na alfabetização da turma?
Ana Teberosky - Acreditar que o aluno pode aprender é a melhor atitude
de um professor para chegar a um resultado positivo em termos de alfabetização.
A grandevantagem de trabalhar com os pequenos é ter a evolução natural a seu favor.
Se não existe patologia, maus-tratos familiares ou algo parecido, eles são máquinas
de aprender: processam rapidamente as informações,
têm boa memória, estão sempre dispostos
a receber novidades e se empolgam com elas.
Um professor que não acha que o estudante seja
capaz de aprender é semelhante a um pai que não compra uma bicicleta
para o filho porque esse não sabe pedalar. Sem a bicicleta, vai ser mais difícil aprender!
Os defensores do método fônico culpam o construtivismo, base dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, pelos problemas de alfabetização no Brasil.
O que a senhora pensa disso?
Ana Teberosky - Para afirmar se a culpa é ou não de determinada maneira de ensinar,
seria necessário ter um estudo aprofundado das práticas pedagógicas dos
lfabetizadores em todo o país. Uma coisa é o que eles declaram fazer, outra é
o que eles executam de fato. Quem afirma que uma forma de alfabetizar
melhor que a outra está apenas dando sua opinião pessoal já que não existe
nenhuma pesquisa nessa linha. A dificuldade em alfabetizar no Brasil
é histórica e já existia mesmo quando o método fônico estava na moda.
O bom desempenho de alguns países nas avaliações internacionais
pode ser atribuído à utilização do método fônico?
Ana Teberosky - Não dá para comparar um país com outro, porque não é
somente a maneira de ensinar que muda. Outros fatores aliás,
importantíssimos influenciam no processo de aquisição da escrita,
como as características de cada idioma. É muito mais fácil alfabetizar
em uma língua em que há correspondência entre o sistema gráfico
e o sonoro ou naquelas em que as construções sintáticas
são simples, por exemplo.
O método fônico e a psicogênese da língua escrita são incompatíveis?
Ana Teberosky - A psicogênese não é método, e sim uma teoria que explica o
processo de aprendizagem da língua escrita. Nesse contexto, defendemos a
integração de várias práticas pedagógicas. Mas o importante é que se leve
em conta, além do código específico da escrita, a cultura e o ambiente letrados
em que a criança se encontra antes e durante a alfabetização. Não dá para ela
adquirir primeiro o código da língua e depois partir para a
compreensão de variados textos. Nós acreditamos que ambos têm
de ocorrer ao mesmo tempo, e aí está o diferencial da nossa proposta.
Como o processo de alfabetização deve ser avaliado?
Ana Teberosky - O professor deve se basear no momento
nicial de aprendizagem de cada aluno,
verificando o que ele conquistou em determinado período. Além do mais,
a avaliação passa pela análise do próprio trabalho: o professor tem condições
materiais e estruturais para ensinar?
Ele criou um ambiente alfabetizador favorável
à aprendizagem e necessidades de usar a língua escrita?
O que é um ambiente alfabetizador?
Ana Teberosky - É aquele em que há uma cultura letrada, com livros, textos
digitais ou em papel , um mundo de escritos que circulam socialmente.
A comunidade que usa a todo momento esses escritos, que faz circular
as idéias que eles contêm, é chamada alfabetizadora.
Nós vivemos em uma comunidade alfabetizadora?
Ana Teberosky - Cada vez menos a sociedade auxilia a alfabetização
por não promover situações públicas em que seja possível a circulação
de escritos, debates, discussões e reuniões em que
todos sintam necessidade e vontade de usar a palavra.
O individualismo vai contra a formação de leitores e escritores.
Há uma tese brasileira que mostra como os sindicatos,
durante sua história, desenvolveram uma cultura alfabetizadora
entre seus membros. Como os líderes tinham de convencer os
filiados sobre determinadas teses, buscavam informações para embasar
seus argumentos, levantavam questões e respondiam às apresentadas.
Os sindicalizados, por seu lado, também precisavam ler documentos,
participar de reuniões, colocar suas dúvidas e opiniões para decidir.
Quais atividades o professor alfabetizador deve realizar?
Ana Teberosky - Formar grupos menores para as crianças terem
mais oportunidade de falar e ler para elas são estratégias fundamentais!
É preciso compartilhar com a turma as características dos personagens,
comentar e fazer com que todos falem sobre a história, pedir aos pequenos
para recordar o enredo, elaborar questões e deixar que eles exponham as dúvidas.
Se nos 200 dias letivos o professor das primeiras séries trabalhar um livro por
semana, a classe terá tido contato com 35 ou 40 obras ao final de um ano.
É correto o professor escrever para os alunos
quando eles ainda não estão alfabetizados?
Ana Teberosky - Sim. A atuação do escriba é um ponto bastante
mportante no processo de alfabetização. O estudante que dita para o professor
já ouviu ou leu o texto, memorizou as principais informações que ele contém
e com isso consegue elaborar uma linha de raciocínio. Ao ver o que disse escrito
no quadro-negro, ele diferencia a linguagem escrita da falada, seleciona as
melhores palavras e expressões, percebe a organização da escrita em linhas,
a separação das palavras, o uso de outros símbolos, como os de pontuação.
A criança vê o seu texto se concretizar.
O computador pode ajudar na alfabetização?
Ana Teberosky - O micro permite aprendizados interessantes.
No teclado, por exemplo, estão todas as letras e símbolos que a língua
oferece. Quando se ensina letra por letra, a criança acha que o alfabeto
é infinito, porque aprende uma de cada vez. Com o teclado, ela tem
noção de que as letras são poucas e finitas. Nas teclas elas são maiúsculas e,
no monitor, minúsculas, o que obriga a realização de uma correspondência.
Além disso, quando está no computador o estudante escreve com as duas mãos.
Os recursos tecnológicos, no entanto, não substituem o texto manuscrito
durante o processo de alfabetização, mas com certeza o complementam.
Aqueles que acessam a internet lêem instruções ou notícias, escrevem e-mails
e usam os mecanismos de busca. Ainda não sabemos quais serão as conseqüências
cognitivas do uso do computador, mas com certeza ele exige muito da escrita e da leitura.
É possível alfabetizar em classes numerosas?
Ana Teberosky - Depende da quantidade de alunos. Em quatro horas de aula
por dia com 40 crianças, é muito difícil e eu não saberia como fazer...
Seria melhor se cada sala tivesse 20, 25. Em Barcelona, estamos experimentando
os agrupamentos flexíveis, que misturam grupos de diferentes níveis,
com 12 estudantes e com três ou quatro professores à disposição para orientação.
Existem algumas possibilidades desde que haja contribuição da gestão pública.
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