O legado crítico de Pierre Bourdieu
O sociólogo francês Pierre Bourdieu morreu na noite do dia 23 de Janeiro, num hospital de Paris, em consequência de um cancro, aos 71 anos de idade. Catedrático de sociologia no Colége de France, Pierre Bourdieu era considerado um dos intelectuais mais influentes da sua época. A educação, a cultura, a literatura e a arte foram os seus primeiros objectos de estudo. Nos últimos anos, Bourdieu vinha-se dedicando ao estudo dos meios de comunicação e da política. Autor de uma sofisticada teoria dos campos de produção simbólica, o sociólogo procurou mostrar que as relações de força entre os agentes sociais apresenta-se sempre na forma transfigurada de relações de sentido. A violência simbólica, outro tema central da sua obra, não era considerada por ele como um puro e simples instrumento ao serviço da classe dominante, mas como algo que se exerce também através do jogo entre os agentes sociais.
Um dos pontos mais originais da obra de Bourdieu reside na vontade de superar o que ele chamava de "falsas antinomias" da tradição sociológica – entre interpretação e explicação, estrutura e história, liberdade e determinismo, indivíduo e sociedade, objectivismo e subjectivismo. Pierre Bourdieu não era apenas um pesquisador excepcional, reconhecido pela comunidade académica internacional, mas um intelectual empenhado nas lutas sociais e no debate público, na tradição francesa que reúne nomes como Émille Zola e Jean-Paul Sartre. Na década de 90, aprofundou esse seu empenhamento nos movimentos sociais, trabalhando pela criação do que chamava “uma esquerda da esquerda”, ou seja, uma esquerda que recusasse os compromissos que, ao longo do século XX, foram sendo assumidos pela esquerda europeia mais tradicional. No caso da França, especialmente pelo Partido Socialista. Em 1992, o sociólogo afirmou: “Dez anos de poder socialista (a era Miterrand) provocaram a demolição da crença no Estado e a destruição do Estado-providência em nome dos ideais liberais”.
"A cidade dos sábios"
Face ao silêncio dos políticos diante dos problemas sociais, Bourdieu passou a apelar para a mobilização dos intelectuais. “O que defendo”, costumava dizer, “é a possibilidade e a necessidade do intelectual crítico”. Para Bourdieu, não pode haver democracia efectiva sem um verdadeiro contra-poder crítico. O sociólogo dedicou os seus últimos anos de vida a combater o neoliberalismo sob todas as suas formas. Colocou os seus conhecimentos científicos ao serviço do empenhamento político. Numa de suas últimas obras, Contre-feux 2, Pour um mouvement social européen, Bourdieu afirma: “Fui levado pela lógica do meu trabalho a ultrapassar os limites que eu mesmo havia estabelecido em nome de uma ideia de objectividade que, percebi, era uma forma de censura”. Ultrapassar esses limites, para ele, significava tirar o saber para fora da “cidade dos sábios” e colocá-lo a serviço das lutas sociais contra o neoliberalismo.
Um dos principais alvos de crítica de Bourdieu, nos seus últimos anos de vida, foram os meios de comunicação, que estariam, segundo ele, cada vez mais submetidos a uma lógica comercial inimiga da palavra, da verdade e dos significados reais da vida. Era um crítico feroz do lixo cultural produzido pelos média contemporâneos. Na sua obra Questions aux vrais maîtres du monde, afirmou: “Esse poder simbólico que, na grande maioria das sociedades, era distinto do poder político ou económico, hoje está concentrado nas mãos das mesmas pessoas que detêm o controlo dos grandes grupos de comunicação, quer dizer, que controlam o conjunto dos instrumentos de produção e de difusão dos bens culturais."
Bourdieu também era um crítico da globalização (ou mundialização, como preferem os franceses) financeira. Recusava a escolha entre a mundialização concebida como “submissão às leis do comércio” e a defesa das culturas nacionais ou de qualquer forma de nacionalismo ou localismo cultural. Ao fazer essa recusa, defendia a construção de um movimento social europeu como primeira etapa da construção de um movimento social internacional, no espírito daquele que tem vindo a ser construído em torno do Fórum Social Mundial. Deixa um legado importante e uma convocação veemente aos intelectuais para que abandonem a “cidade do saber” e passem a enfrentar o som e a fúria do mundo.
http://www.espacoacademico.com.br/
O sociólogo francês Pierre Bourdieu morreu na noite do dia 23 de Janeiro, num hospital de Paris, em consequência de um cancro, aos 71 anos de idade. Catedrático de sociologia no Colége de France, Pierre Bourdieu era considerado um dos intelectuais mais influentes da sua época. A educação, a cultura, a literatura e a arte foram os seus primeiros objectos de estudo. Nos últimos anos, Bourdieu vinha-se dedicando ao estudo dos meios de comunicação e da política. Autor de uma sofisticada teoria dos campos de produção simbólica, o sociólogo procurou mostrar que as relações de força entre os agentes sociais apresenta-se sempre na forma transfigurada de relações de sentido. A violência simbólica, outro tema central da sua obra, não era considerada por ele como um puro e simples instrumento ao serviço da classe dominante, mas como algo que se exerce também através do jogo entre os agentes sociais.
Um dos pontos mais originais da obra de Bourdieu reside na vontade de superar o que ele chamava de "falsas antinomias" da tradição sociológica – entre interpretação e explicação, estrutura e história, liberdade e determinismo, indivíduo e sociedade, objectivismo e subjectivismo. Pierre Bourdieu não era apenas um pesquisador excepcional, reconhecido pela comunidade académica internacional, mas um intelectual empenhado nas lutas sociais e no debate público, na tradição francesa que reúne nomes como Émille Zola e Jean-Paul Sartre. Na década de 90, aprofundou esse seu empenhamento nos movimentos sociais, trabalhando pela criação do que chamava “uma esquerda da esquerda”, ou seja, uma esquerda que recusasse os compromissos que, ao longo do século XX, foram sendo assumidos pela esquerda europeia mais tradicional. No caso da França, especialmente pelo Partido Socialista. Em 1992, o sociólogo afirmou: “Dez anos de poder socialista (a era Miterrand) provocaram a demolição da crença no Estado e a destruição do Estado-providência em nome dos ideais liberais”.
"A cidade dos sábios"
Face ao silêncio dos políticos diante dos problemas sociais, Bourdieu passou a apelar para a mobilização dos intelectuais. “O que defendo”, costumava dizer, “é a possibilidade e a necessidade do intelectual crítico”. Para Bourdieu, não pode haver democracia efectiva sem um verdadeiro contra-poder crítico. O sociólogo dedicou os seus últimos anos de vida a combater o neoliberalismo sob todas as suas formas. Colocou os seus conhecimentos científicos ao serviço do empenhamento político. Numa de suas últimas obras, Contre-feux 2, Pour um mouvement social européen, Bourdieu afirma: “Fui levado pela lógica do meu trabalho a ultrapassar os limites que eu mesmo havia estabelecido em nome de uma ideia de objectividade que, percebi, era uma forma de censura”. Ultrapassar esses limites, para ele, significava tirar o saber para fora da “cidade dos sábios” e colocá-lo a serviço das lutas sociais contra o neoliberalismo.
Um dos principais alvos de crítica de Bourdieu, nos seus últimos anos de vida, foram os meios de comunicação, que estariam, segundo ele, cada vez mais submetidos a uma lógica comercial inimiga da palavra, da verdade e dos significados reais da vida. Era um crítico feroz do lixo cultural produzido pelos média contemporâneos. Na sua obra Questions aux vrais maîtres du monde, afirmou: “Esse poder simbólico que, na grande maioria das sociedades, era distinto do poder político ou económico, hoje está concentrado nas mãos das mesmas pessoas que detêm o controlo dos grandes grupos de comunicação, quer dizer, que controlam o conjunto dos instrumentos de produção e de difusão dos bens culturais."
Bourdieu também era um crítico da globalização (ou mundialização, como preferem os franceses) financeira. Recusava a escolha entre a mundialização concebida como “submissão às leis do comércio” e a defesa das culturas nacionais ou de qualquer forma de nacionalismo ou localismo cultural. Ao fazer essa recusa, defendia a construção de um movimento social europeu como primeira etapa da construção de um movimento social internacional, no espírito daquele que tem vindo a ser construído em torno do Fórum Social Mundial. Deixa um legado importante e uma convocação veemente aos intelectuais para que abandonem a “cidade do saber” e passem a enfrentar o som e a fúria do mundo.
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